Caminhada à Descoberta da Vila do Corvo e suas Histórias (Vila do Corvo – Corvo)
O Corvo não é apenas um dos lugares mais isolados de Portugal. Para quem o visita, rapidamente percebe que é muito mais do que isso. É um lugar de afectos, de partilhas, de histórias de piratas e contrabandistas, histórias cruéis, amarguras e fugas, relatos impressionantes de uma vida mais dura.
Mas, por mais razões que até o justificassem, nada disto arrefeceu o coração dos corvinos.
Pouco tempo depois do desembarque na ilha, foi numa mesa do restaurante que assistimos na televisão à tentativa da selecção portuguesa de futebol levar de vencida a Áustria, no segundo jogo do Euro 2016.
Ao mesmo tempo que o Ronaldo falhava um pénalti, a Maria saía da cozinha com uma batata frita na mão. Apesar de não saber o que fazer com aquele palito amarelo, pois nós ainda não a tínhamos apresentado ao “mundo dos fritos”, ela sentia-se o centro das atenções e gostava disso, numa ilha onde não há assim tantos bebés. Rapidamente nos sentimos integrados nesta comunidade que nos recebeu tão bem. Após o jantar, regressámos ao The Pirates’ Nest, o nosso ninho do qual voaríamos para descobrir toda a ilha.
Um lugar de afectos, de partilhas, de histórias de piratas e contrabandistas, histórias cruéis, amarguras e fugas, relatos impressionantes de uma vida mais dura.
Combinámos bem cedo na manhã seguinte com o Luís (o proprietário do “ninho“), o nosso guia para estes quatro dias de aventuras no Corvo. Planeámos subir ao Caldeirão para avaliar as condições climatéricas e só depois decidir o que fazer. Pelo caminho percebemos que o nevoeiro estava cada vez mais denso e à chegada concluímos de imediato que não estavam reunidas condições para realizar o percurso pedestre. O nevoeiro cerrado e o vento forte que se fazia sentir foram factores decisivos para mudarmos os planos. Ainda descemos um pouco nas paredes da cratera para verificar se as condições melhoravam mas tal não aconteceu.
É uma situação normal e sendo já uma forte possibilidade, não afectou a nossa boa disposição. Descemos à Vila do Corvo e realizámos em alternativa um percurso pedestre circular com pouco mais de 5 km para conhecer a povoação e as suas memórias.
Iniciámos no The Pirates’ Nest e descemos a estrada para o Caldeirão até à rotunda, onde o brasão do município sobressai na calçada. Estamos no centro da vila e aqui podemos encontrar os Correios, a Câmara Municipal, o Posto de Saúde, a Escola Básica e Secundária Mouzinho da Silveira e a Agência Bancária. Encaminhamo-nos para a zona histórica onde as lendas, contos e histórias espreitam a cada esquina e o Luís, como bom contador que é, não deixa esmorecer o nosso entusiasmo. Percorremos as canadas, estreitas ruelas características da vila, que se conta terem sido assim construídas para protecção contra os piratas, pois nestas ruas estreitas seria mais fácil a defesa.
Chegámos ao Largo do Outeiro onde se destaca o Império da Casa do Espírito Santo. O largo era em tempos idos, local de reunião da população adulta masculina que em conversas “decidiam” a vida na vila. Tão importantes eram as conversas tidas que o próprio Presidente da Câmara mostrava alguma preocupação e interesse com o que se dizia nesta “Assembleia”.
Passámos pelo Centro de Interpretação Ambiental e Cultural do Corvo mas infelizmente estava fechado e não o conseguimos visitar.
Nos quintais de muitas das casas mais antigas do Corvo podemos ainda hoje observar a edificação de currais onde eram criados porcos para o sustento da família. A sua carne era essencial para matar a fome durante os tempos mais difíceis.
Apesar de não haver grande necessidade de trancar as portas das habitações, existe uma fechadura característica do Corvo e que ainda hoje se pode ver em muitas casas. Feita em madeira, com um sistema de tranca e chave também em madeira, é um dos símbolos artesanais mais visto pela ilha.
Junto às casas é muito comum vermos eiras onde os cereais eram malhados e peneirados depois de colhidos e onde o milho era colocado a secar vários dias ao sol. Hoje com pouco ou nenhum uso, existem por toda a vila para recordar esses tempos.
Era no cima da Rua da Fonte, junto ao velho fontanário, que as mulheres se reuniam. Se não podiam estar no Largo do Outeiro com os homens e participar das decisões lá tomadas, aqui ouviam para depois em casa exercer o seu “poder” junto do marido. Este era assim influenciado pela opinião da companheira sobre os assuntos mais relevantes no interesse dos corvinos.
Descemos até zonas mais baixas e na Canada da Rocha apreciámos a vista sobre o Porto da Casa. Seguimos para visitar a Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Milagres datada de 1795. Pelo Caminho dos Moinhos encontramos ainda três exemplares de antigos moinhos, agora recuperados para visitas turísticas e que marcam presença no cimo das falésias. Mais adiante chegamos ao Parque de Campismo quase selvagem e por um trilho junto ao mar vamos desembocar na Praia da Areia, um pequeno areal que convida a ficar mais um pouco. As suaves ondas que crescem na areia negra, deixam um rasto ramificado ao recuar no seu regresso ao vasto oceano. As escarpas abruptas invadem as águas e formam algumas enseadas inacessíveis por terra.
Pela rua paralela ao aeroporto regressamos ao centro da vila e termino este primeiro percurso com a forte sensação de um enamoramento súbito por este pedaço de terra.
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